Todo mundo conhece aquele sentimento de ir à uma cafeteria esperando uma coisa por conta da fachada e ao entrar deparar-se com outra realidade...
Uma vez em Santa Catarina entrei num café todo arrumadinho, sentei, pedi o espresso e fiquei caçando a máquina com o olho e não vi nada...eis que o garçom me traz um café feito por uma Gaggia automática, o que estranhei bastante por tratar-se de uma cafeteria e não um escritório. Preço do espresso =R$ 8,90.
Quando vi 3 pessoas paradas fora do balcão, pensei que fosse clientela, mas eram os sócios. Oras, como abrir uma cafeteria investindo em arquitetura e decoração, fazendo café numa Gaggia automática cobrando 8,90 numa xícara (claro, pois cada um vai ter que repartir o valor em 3, uma gambiarra econômica) e ainda esperar que o cliente saia satisfeito da vida? Fui até os proprietários e reclamei pois não acreditei que eles me serviram um café de uma automática..Acabei ouvindo: "é uma máquina italiana top e o café é muito bom"...Se o proprietário não está disposto a ouvir o que o cliente pensa, está fadado a fechar mesmo...
Também acho que tem espaço pra todo mundo e é importante essa variação de nichos...As pessoas não deixam de comer hambúrguer em pequenas hamburguerias e nem o McDonald's fica vazio..tem espaço pra todo mundo.
Imagino que o pessoal que entre no fórum seja mais exigente, afinal veio até esse espaço justamente procurando afinidade com outras pessoas que fizeram essa imersão no mundo do café...Mas o cliente do dia a dia é aquele que pede cappuccino às 18h com bastante chocolate e por mais linda que saia sua latte art, ele vai botar açúcar e balançar bastante a colher até virar um Nescau...tá errado? Não.. Como cervejas, tem pessoas que preferem as genéricas, outras preferem intermediárias e outras preferem as gourmetizadas..tem espaço pra todo mundo! Nós que entramos no fórum por sermos de hobbistas a cafeólogos, temos esse senso mais apurado, mas somos uma parcela ínfima da população consumidora de café.
Estritamente em relação às cafeterias, não basta ter café sabor de sei la o quê... Realmente é importante trazer variedade, mas há de se analisar primeiramente seu público alvo e quanto você pretende investir para atrai-lo. Como eu trabalho com máquinas de café, procuro sempre ouvir os baristas e os proprietários a respeito do equipamento deles e também trocar ideia sobre o assunto..Já vi cafeterias com 3 mesas e o proprietário falando em comprar uma Marzocco...Em Brasília, por exemplo, o café Cristina tem uma Synesso que é uma das máquinas mais caras do Brasil, é uma cafeteria de 3 mesas (que dificilmente encontram-se as 3 ocupadas simultaneamente), sem espaço no balcão e nos fundos do comércio...Tem certas coisas que a gente não consegue entender por mais que tente. Você tem que trazer a clientela que se identifica com seu espaço e tomar cuidado pro café não ficar em segundo plano.
É importantíssimo regulamentar a profissão do barista também...Apesar de haver uma regulação rudimentar, não dá pra reclamar quando seu café vem cheio de pó, com a xícara suja de café por fora com uma pessoa que está ali fazendo bico, e essa é uma parcela enorme de empregados no ramo...O sabor que a gente sente na xícara é o sabor da precarização de diversos trabalhadores, desde o campo até a sua mesa. E quanto mais precariza, mais sobra espaço pra esses oligopólios cafeeiros que tomavam conta do Brasil antes da década de 10 que voltaram a exportar o melhor e a vender fermentado aqui. Vocês já repararam que está cada vez mais difícil ver microtorrefacoes e cafés variados com torra fresca? De repente eles foram sendo suprimidos por essas empresas enormes que precarizam a mão de obra (como 3 corações, L'or, Melitta, quase tudo com o selo ABIC) que passam pelas torrefacoes como se fosse um rolo compressor, com seu café de média-baixa qualidade com preço """competitivo"""...O sabor da precarização da mão de obra de muitos seres humanos na sua xícara.